Vitória, um beijo dos céus na glória verde das ondas (1942)

  • há 2 meses
Texto de CIRO VIEIRA DA CUNHA.

... A praça Oito é um homem de negócios. Sempre apressado. Não conversa. Monossilaba. Olha o bonde que tarda. E o relógio que corre. Pensa em letras a pagar.
Em preços de café. E lá se vai, quase. correndo...
A avenida Capichaba é um cavalheiro severo que gosta de silêncio e sai pouco de casa. Quando muito, à noitinha, para fazer a digestão.
A praça da Catedral é uma senhora, toda de preto e de mantilha, eternamente ajoelhada, lábios balbuciantes em fervorosa oração.
A praia Comprida é um moço que nasceu rico. Usa casaca. Não perde concertos. Tem automovel. E não compreende o mundo sem rádio e "frigidaire".
A praça da Independência é uma garota casadoira. Gosta de "vitrines" com vestidos modernos, pulseiras de fantasia e material de "maquillage".
O largo do Carmo é o "entreaberto botão, entre fechada rosa" do velho poeta. E' a menina que estuda geografia preocupada com a conjugação do verbo amar, que decora os limites das capitanias hereditárias, pensando nos galanteios a que assistiu na última "soirée" do Glória.
O morro da Fonte Frande é o brasileiro da gema, resistindo heroicamente à avalanche estranha à terra. Absorvido por uma fé extremada, procura, com os acordes do violão em acompanha-mento de modinhas caboclas, abafar os compassos bizarros dos "fox-trots" e dos tangos argentinos...
E o parque Moscoso... Ah! o parque Moscoso... E' uma enfermeira bondosa, de gestos mansos e longos, que acarinha e cura o coração da gente com o olhar esverdeado dos lagos e o sorriso macio das árvores...

João do Rio tinha razão. As ruas teem alma. Porque vivem, sofrem, odeiam e querem bem...

Recomendado